Ford GT 40


A famosa 24 Horas de Le Mans tornou-se a mais árdua prova de resistência para carros de corrida. Em sua maioria era disputada por protótipos -- alguns modelos de série se aventuravam, mas no máximo ganhavam em sua categoria. Disputada desde 1923, é uma das corridas de automóveis mais tradicionais e importantes do mundo, verdadeiro laboratório para os fabricantes aplicarem a tecnologia a ser empregada mais tarde nos carros de série.


No começo da década de 60 a Ford tinha intenção de entrar no circuito de competições da Europa, principalmente nas provas de longa duração. Seu objetivo era comprar a tradicionalíssima Ferrari. Henry Ford II não gostou de ver os AC Cobra serem vencidos e os seis primeiros lugares ocupados pelos carros de corrida vermelhos italianos na 12 Horas de Sebring, em 1962.


Mas as negociações não foram adiante (
saiba mais). Então o já famoso executivo-chefe da Ford, Lee Iacocca, pai do projeto Mustang, apresentou seus planos de desenvolver um bólido moderno e veloz. Tinha de ser um V8 capaz de ultrapassar a barreira das 200 milhas por hora -- 320 km/h.

De início contou com a ajuda de técnicos ingleses. O primeiro foi Eric Broadley, famoso pela construção dos carros de corrida Lola. Seu modelo T70, que faria sucesso anos mais tarde, além de muito bonito era bastante veloz. Juntaram-se a eles John Wyer, proveniente da Aston Martin, marca inglesa com vitórias em Le Mans, e o famoso Carroll Shelby, conhecido por seus velozes e potentes
Cobra. Para os testes de pista foi contratado o jovem piloto Ritchie Ginther. Assim estava formada, na Inglaterra, a Ford Advanced Vehicles (FAV).

Em 1964 nascia o GT 40. Media 3,96 metros de comprimento e apenas 1,02 metro de altura, ou seja, 40 polegadas -- daí o numero mágico do bólido de corridas. Com o objetivo de barrar as vitórias da Ferrari e da Jaguar, no projeto foi gasto muito dinheiro e adotada toda a tecnologia disponível na época. Era um carro muito bonito, baixo, com a frente inclinada e duas entradas de ar sobre o capô. Os faróis carenados, o pára-brisa envolvente, os vidros laterais inclinados para dentro da carroceria e o traseiro mostrando o coração da máquina.


A parte superior das portas ia quase até a metade do teto -- não uma novidade, já que o famoso
Mercedes 300 SL "Asa de Gaivota" tinha a mesma bela particularidade. O enorme capô traseiro abria-se de frente para trás. Uma obra de arte sobre rodas, muito atraente até hoje. O primeiro deles chamou-se GT 40 Mark I, ou MK I.


O motor central era um V8 de comando de válvulas no bloco (OHV) e 4,7 litros de cilindrada, originário do Ford Fairlane, que devidamente preparado fornecia 390 cv de potência. Sua velocidade máxima estava perto dos 320 km/h. O câmbio tinha cinco marchas e os freios da famosa marca Girling. Nos primeiros testes no circuito Le Sarthe, na cidade francesa de Le Mans, os carros se acidentaram por causa da má estabilidade direcional, devido a problemas de aerodinâmica. Foi colocado então um aerofólio traseiro, que melhorou a situação mas não corrigiu o defeito.

Sua estréia no Campeonato Mundial de Marcas deu-se na 1.000 Quilômetros de Nürburgring, em 1964. Nos treinos foi o segundo mais rápido. Os pilotos eram o grande Bruce McLaren e o não menos famoso Phil Hill. Este último chegou a ocupar a segunda posição, mas problemas de suspensão não o deixaram completar a mais dura prova alemã da temporada.



No mesmo ano a marca americana alinhava três unidades do GT para a 24 Horas de Le Mans. A prova tradicionalmente começa num sábado, sempre às 16 horas. Nos treinos de classificação os carros americanos conseguiram a segunda, terceira e nona posição. Na prova, o carro da dupla Richie Ginther/Masten Gregory quebrou a caixa de câmbio (da marca Colotti) na quarta hora e o de Richard Attwood/Jo Schlesser pegou fogo, por causa de um vazamento de gasolina. O terceiro, de Graham Hill e Bruce McLaren, resistiu mais tempo mas sofreu o mesmo problema do primeiro. O câmbio não suportava tanta potência.


O GT 40 mostrou, contudo, ser veloz nas retas pelo fato de ter ultrapassado os Ferraris na famosa reta Mulsanne a mais de 320 km/h, número apreciável até hoje. Na corrida seguinte, a 12 Horas de Reims, também na França, o câmbio novamente traía o carro da Ford. Na última corrida do campeonato, em Nassau, nas Bahamas, o desastre foi maior: os oito carros que foram para a pista não terminaram. Quebra total na equipe americana.


No ano de 1965 nascia a versão Mark I A. A equipe já estava sob o comando de Carroll Shelby na fábrica de Kar Kraft, perto de Dearborn, no estado americano de Michigan. O novo motor do Cobra de 4,7 litros era adotado, as rodas passavam a ser fundidas, os pneus agora vinham da Dunlop, e o câmbio, da ZF alemã. A primeira corrida em Daytona, na Flórida, foi vencida por Ken Miles e Lloyd Ruby, mas a concorrência não estava à altura. Na segunda, em Sebring, o Mark II ficou em segundo atrás de um Chaparral, carro projetado por Jim Hall e equipado com motor Chevrolet, a maior concorrente da Ford nos EUA. Consta que os dirigentes ficaram furiosos por isso.


Veio então o Mark II, apresentado em abril, com motor de 6.990 cm3. Nosso conhecido Ford Galaxie utilizava-o nos EUA em provas de stock-cars, em uma versão cupê que não foi produzida no Brasil. O motor pesava 280 kg, muito para um protótipo com pretensões de vencer os Ferraris, mas era bastante potente: 485 cv a 6.200 rpm. Em testes alcançou a máxima de 329 km/h. Os discos de freios eram ventilados e a caixa tinha quatro marchas. Enfrentaria Le Mans em junho.


Pois o que aconteceu foi um novo fracasso. Os estreantes MK II quebraram o câmbio e os outros, versão antiga com motor Cobra, tiveram problemas no câmbio e no cabeçote. Mas mostraram ser extremamente velozes.

Em 1966 o terceiro projeto objetivando Le Mans era desenvolvido: o Ford J ou GTP. Era 180 kg mais leve que o anterior, graças a novas técnicas e materiais; tinha melhor aerodinâmica e transmissão automática, para aproveitar melhor o imenso torque do motor de 7,0 litros. A Ford ganhava pela segunda vez a 24 Horas de Daytona e também vencia a 12 Horas de Sebring com o modelo Roadster, versão antiga, nas mãos de Milles e Ruby. Nesta prova, famosos como o Porsche Carrera 6 e o Ferrari 330 P3 participaram; até um Corvette Stingray ganhou em sua categoria.


E finalmente veio a vitória na prova de longa distância francesa -- mas não com o J. Oito carros Mark II foram inscritos e conseguiram as três primeiras colocações. Os pilotos Bruce McLaren e Chris Amon saborearam a tão esperada vitória na 24 Horas, fato que se repetiria em 1967, 1968 e 1969.


Em 1967, a 1.000 Quilômetros de Spa, na Bélgica, era vencida pelo Mirage Ford, uma nova versão do GT 40. O carro era mais leve e o motor de 5,7 litros com câmbio ZF provava ser resistente. No belo Circuito Nacional de Spa-Francorchamps, de 14,1 quilômetros de extensão, foram dadas 41 voltas com média de 255 km/h. Em Le Mans sete Fords GT40, de diferentes versões e equipes, foram para a pista. A Ferrari tinha preparado igual quantidade de carros, a Chaparral e a Lola também estavam lá. O patrão Henry Ford II era o convidado de honra da prova.


Na tradição de Le Mans, a largada se dava com os pilotos de um lado da pista e os carros, estacionados em 45º, do outro. Após o sinal, iam correndo, davam a partida e largavam velozmente. O famoso piloto americano A. J. Foyt, em dupla com Dan Gurney, venceu a prova. O segundo lugar ficou com Bruce McLaren e Mark Donohue com o Mark IV. Seu motor era um V8 OHV de 6,9 litros e 500 cv, apto à velocidade máxima de 355 km/h. Cruzaram a linha de chegada quatro voltas à frente do ameaçador Ferrari 330 P4 de Mike Parkes e Ludovico Scarfiotti.


Em 1968 o regulamento mudava, com motores agora limitados a 5,0 litros de cilindrada. A Ford se retirava oficialmente e o GT 40 passava a correr em equipes particulares -- a mais famosas com o azul-claro e faixas laranja da empresa petrolífera Gulf. No mesmo ano a Ferrari se retirava e à fábrica americana restavam como concorrentes os temidos e velozes alemães da Porsche.

Os GT 40 ganharam o campeonato, com vitórias em Brands Hatch, na Inglaterra; Monza, na Itália; na Bélgica, em Watkins Glen, nos EUA. E o competente piloto mexicano Pedro Rodriguez venceu em Le Mans. A terceira vitória em terras francesas foi obtida pelo carro equipado com motor de 4,95 litros e 420 cv de potência. Estes GTs já eram produzidos pela JW (J. Wyer e John Wilment), que fabricava carros de passeio e de corrida.


Em 1969 o GT 40 travou sua maior batalha em Le Mans. O carro pilotado pelo competente belga Jacky Ickx, que fez bonito também na Formula 1 e em ralis, passava a linha de chegada a apenas 120 metros do Porsche 908 de Hans Hermann, após uma disputa metro a metro que durou três horas. Foi uma corrida memorável e aqueles que estiveram presentes sempre comentam com entusiasmo.

Além da Porsche, com os 908 e 917 que estreavam na prova, estavam presentes a Matra, com motores V12 de 3,0 litros, a Alpine, com V8 Renault-Gordini de mesma cilindrada, e a Ferrari, com dois modelos 312 P.

Após as primeiras horas, o consumo de combustível dos Porsches era muito maior que o dos concorrentes, mas eles conseguiam manter a ponta. A primeira baixa foi de um 917 que se acidentou ainda na primeira volta, causando a morte do piloto John Woolfe, também dono da equipe que levava seu nome. No começo da noite o Matra estava em segundo e os GT40 vinham avançando com muita regularidade. Na madrugada os carros americanos já ocupavam o quarto e o quinto lugar; um 908 pegava fogo e abandonava.

No principio da manhã outro Porsche 917, de Vic Elford e Richard Attwood, tinha problemas e ia para os boxes. De volta à maratona, resistiu por pouco tempo. Depois outro 908, com problemas no câmbio, ia ao socorro da equipe. O único GT 40 que não enfrentou os avessos do circuito, de Ickx e Jackie Oliver, assumia a liderança. Em seu encalço vinha o 908 de Hans Herrman e Gérard Larrousse, visivelmente mais rápido.

A disputa foi cinematográfica até a bandeirada final. Nunca, em 37 anos de provas neste circuito, havia acontecido algo parecido. As posições se alternavam com ou sem abastecimento nos boxes. Foi nervosa e muito atraente para o público. Vitória final, na quarta vez consecutiva, para o inesquecível Ford GT 40. Sua última competição do Mundial de Marcas e despedida das pistas foi em 1969, quando venceu mais uma vez a 12 Horas de Sebring, mas o campeonato ficou em mãos germânicas.